sexta-feira, 20 de março de 2009

Jeremias

... Deste modo quebrarei eu a este povo, e a esta cidade, como se quebra o vaso do oleiro, de sorte que não pode mais refazer-se. Quatro horas. Jeremias chega no estádio. Pega o ingresso com a galera e toma a primeira cerveja. Puxa o primeiro fumo. Ouve no som aquela música do Pearl Jam com seu nome. Outra cerveja. Jeremias que não consegue enxergar direito. Os times entram em campo. Jeremias é Deus entre seus amigos. O único lugar onde alguém pode ser feliz nessa vida é em um estádio de futebol. Meio dia. O almoço na mesa. O copo de requeijão com o suco de laranja. Jeremias senta na sua cadeira. O pai de Jeremias cospe a comida no prato. E sua mão direita avança sobre o rosto da mãe de Jeremias. No instante seguinte, o rosto da mulher voa na parede azul da sala. - Salgada de novo, sua vadia! A mulher se levanta, zonza. O mundo gira e uma música estranha acompanha seu cérebro. Ela pega os pratos e vai pra cozinha em silêncio. - Está olhando o que? Vai querer apanhar também? Jeremias olha o pai. Como um espelho. O rosto barbado e com cheiro de cigarro já faz parte da sua vida. Dorme nos seus sonhos. Mas Jeremias não é rápido o suficiente para não pensar. E um murro o atinge no olho direito. Jeremias cai no chão da sala. No tapete marron da sala. Com cheiro de cêra. É melhor não levantar. Jeremias se enrola na camisa sagrada. Chora sob o tecido encardido. 'Jeremy spoken'. A bola chega nos pés de Vadinho que dribla seu adversário e fica cara a cara com o o gol. Jeremias grita e no momento seguinte a bola toca na trave e beija o chão. 0 x 0. Silêncio na cozinha. Dez, vinte, trinta minutos. O pai de Jeremias levanta e tira o cinto. Jeremias caído no chão, reza. Uma reza antiga, daquelas que não adiantam de nada, como ele já aprendeu. Silêncio. O que houve? O rapaz também se levanta e caminha até a cozinha. O pai está sentado numa cadeira. No chão, uma mulher agoniza. Os pulsos mal cortados pela faca cega de manteiga. A peixeira da carne enterrada no coração. Contra ataque. O centroavante adversário toca na bola de cabeça antes do goleiro. É gol. De repente tudo está perdido. Irremediavelmente. A defesa fala para o goleiro: - A culpa é toda sua, seu P...! O pai de Jeremias retira a faca da esposa. De repente está tudo perdido. Irremediavelmente. E olhando para Jeremias, proclama! - A culpa é toda sua, seu P...! Jeremias é levado para a sala sob pontapés, chutes, socos, murros, joelhadas, impropérios, séculos. Quando cai sobre o sofá, um copo de requeijão cai em suas mãos. Quebrado. Quando o pai de Jeremias se lança sobre o filho, a mão do rapaz enfia os cacos de vidro no pescoço paterno. Silêncio. Silêncio na arquibancada. Quebrado por um grito de guerra. As duas torcidas avançam no final da tarde. Uma pedra passa pelo rosto de Jeremias que derruba um outro menino com um golpe de puro desespero. Em cada adversário, um pai. Jeremias enlouquecido pela dor, pelo desespero, pelas cervejas, pelas drogas distribui seu desespero pelo mundo. Enquanto seus amigos lutam ao seu lado sua próprias vidas. O apartamento está em silêncio. Jeremias vira o corpo do pai. Retira dez reais de sua carteira. Vai até a cozinha e beija o rosto da mãe. Decora o que resta do seu rosto. Uma bala perdida atinge Jeremias. Silêncio. A torcida organizada ergue o corpo de Jeremias enrolado na bandeira. Os jornais publicam que Jeremias era um assassino. Um maníaco que matou pai e mãe. E foi pro jogo com os amigos. Conheçam o Blog do Roberto, clicando no link abaixo: http://oblogdoroberto.zip.net/

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