terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Causos do nosso futebol: Barbosa Treme-Treme era meio time

No futebol de Caruaru havia um personagem muito conhecido. Era Barbosa Treme Treme. Amigo de todos, mas muito respeitado e mais do que isso, temido, pelas trapaças que, diziam, ser acostumado a fazer no mundo do futebol. No tempo em que ele reinava, com o Central ainda disputando o campeonato da cidade, pois só em 1961 entrou no Estadual, travava-se uma briga de foice entre o alvinegro, o Vera Cruz e o Comércio. São Paulo e Rosarense aqui, acolá atrapalhavam a vida de um deles, muitas vezes tirando-o da disputa do título de campeão citadino – era este o termo usado pelos jornais e rádios da cidade. Dono de bar e salão de sinuca, na esquina da Rua da Matriz, oficialmente Avenida Barão do Rio Branco, com a Vigário Freire, bem no centro da cidade, Barbosa sofria de uma tremedeira nas mãos, daí o apelido que ele, ao longo dos anos, absorveu numa boa. Pelo seu salão – para dar umas tacadas, tomar um trago, sorver um cafezinho ou discutir política e futebol – e pela sua calçada desfilavam figuras das mais diferentes classes sociais, que faziam todo o romantismo daquela Caruaru onde se podia ficar até altas horas papeando na Rua da Matriz e sair batendo pernas até os subúrbios mais distantes, sem o risco de ser assaltado – automóvel ainda era privilégio de uns poucos. O mais que podia acontecer era algum “perdido na noite” interromper os passos do caminhante para pedir-lhe um cigarro. Talvez um susto em meio à semi-escuridão, diante da inesperada e cadavérica figura de Vovô, outro personagem da Capital do Agreste. Ele poderia aparecer de repente, mão trêmula, de cima do muro do Cemitério São Roque, onde se recolhia a cada noite, em busca também de um cigarrinho. Tal qual o Bar Savoy, no Recife, a sinuca de Barbosa Treme-Treme, era, portanto, ponto de encontro. Ainda sem a massificação da televisão, que só chegou a Pernambuco em 1960, as pessoas saíam à noite à rua, uns para namorar, principalmente no escurinho dos cinemas Santa Rosa e Caruaru, outros para a resenha de todas as noites na Rua da Matriz. A calçada do Café Rio Branco, ainda hoje firme e forte, concorria com a de Barbosa, mas numa a política predominava; noutra, o mote era futebol. Havia até num dos três semanários da cidade (A Defesa, Vanguarda e Jornal do Agreste), uma coluna esportiva denominada Esquina do Barbosa. Isso mostra o fascínio que aquele recanto exercia sobre os caruaruenses. Barbosa era figura importante no futebol da cidade. Fundador do Comércio Futebol Clube, continuava fiel às cores vermelha e branca que ajudara a escolher para o clube. Era temido pelos adversários porque foi não foi, estava levando algum jogador de outro time na conversa. Os tempos eram de um profissionalismo mal-acabado, ou mesmo mal-iniciado. Era o chamado amadorismo marrom. Corriam às escâncaras histórias de jogador que tinha entrado no mondé. A verdade é que o pessoal do Central e do Vera Cruz tremia quando Barbosa Treme-Treme pintava no pedaço. Certa vez, quando a seleção de Caruaru ia enfrentar a de Garanhuns, pelo Campeonato do Interior, os dirigentes da LDC (Liga Desportiva Caruaruense) procuraram Barbosa e, sem rodeios, foram direto ao assunto: - Barbosa, nossa Caruaru não pode perder essa parada. Sabemos que o goleiro de Garanhuns gosta muito de você, pois já jogou no Comércio. Tarefa fácil, não acha? Como era do ramo, Barbosa entendeu de imediato o que os cartolas queriam. Coçou a cabeça ligeiramente e respondeu: - Mas eles estão concentrados no Sanatório Tavares Correia, numa vigilância danada. Ninguém sai, e todos os passos deles são vigiados. Houve uma pausa desanimadora, mas logo uma idéia fervilhou na cabeça do astuto Treme-Treme, que, dirigindo-se a Gercino Tabosa, gerente do Banco do Povo e presidente da Liga, sugeriu: - Você tem muitos amigos em Maceió. Mande passar um telegrama de lá pra cá, dizendo que a mãe do goleiro quebrou as pernas. Assim, eu “furo” a concentração(A família do goleiro de Garanhuns morava na capital alagoana). Todos saíram satisfeitos com Barbosa. Um deles, Waldemar Porto, dublê de jornalista e dirigente, delirava de contentamento: - Eu não disse? Quem tem Barbosa tem meio time. Tudo saiu conforme o combinado. Barbosa foi levar o telegrama de araque, invadiu o fechadíssimo reduto do adversário de Caruaru, tirou o goleiro de tempo, e no domingo, o selecionado de Caruaru meteu 3 a 0 na seleção garanhuense, mesmo jogando no campo do adversário. Na segunda-feira, pela manhã, Barbosa saboreava o sucesso de sua investida, entre tragos da mais legítima branquinha com caju, no seu estabelecimento, acompanhado do negrinho Bambu, mais um tipo a povoar aquela Caruaru tão acolhedora e aconchegante. A cada lapada, Barbosa repetia a frase de Waldemar Porto: -Quem tem Barbosa, tem meio time. Mais histórias nos livros No Pé da Conversa e Comigo ou sem Migo ou pelo site www.nopedaconversa.com.br Contato pelos telefones (81) 3325.1426 e (81) 8807.5292 ou pelo e-mail moraesaragao@yahoo.com.br

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